Journal

A saudade não é para qualquer um

Não sei como escrever, ou o que escrever, sobre isso. Porque a frase surgiu, simplesmente, no meio da tarde de uma terça-feira quente, enquanto eu lavava louça e observava as árvores do meu quintal através da janela.

Mas isso me fez pensar: porque será que a saudade não é para qualquer um?

Acho que é porque saudade é um negócio complicado e profundo. Não é todo mundo que aguenta o tranco, não.

Porque é um sentimento denso. É sentida no âmago, nos músculos, nos tecidos, no lugar mais escondido dentro da gente que é onde a alma se abriga.

Por ser tão profunda, saudade não é para quem é raso. Porque ela não se manifesta na superfície, onde tudo é aparentemente seguro e conhecido. Ela te cava, te invade, penetra pelos poros e cai na corrente sanguínea, causando reboliço.

E quando essa saudade não pode ser saciada, ela dói. É uma dor generalizada e como se não bastasse, estão incluídas nesta dor partes que você nem sabia que tinha – a tal da dor fantasma. A dor de um membro amputado, um membro que não está mais lá; seja um membro do corpo, um membro da família, um membro do coração, é a dor que ecoa, que pulsa e que nos grita o que falta.

Falta um ponteiro no relógio, falta um pé do sapato, falta o apetite, falta o sono.

Falta.

Além de ser tão profunda, a saudade é uma sensação contraditória de vazio e cheio ao mesmo tempo. Vazio do que se foi e cheio de lembranças.

Às vezes, nada enche o copo da saudade. Apesar de inanimado, é como se ele ficasse ali, te olhando de cima a baixo, perguntando: “Vai me completar ou não?”

Mas vou confessar: sou uma vítima da saudade.

Tenho aquela conhecida, de pessoas conhecidas, de momentos que aconteceram e deixaram aquela marca inesquecível. Mas tenho também aquela saudade do que não aconteceu, do que poderia ter sido, de pessoas que não conheci… Tem dias que sinto falta do “quase” e do “se”… Costumo dizer que essa saudade deveria ser diagnosticada, porque é difícil explicá-la em palavras fáceis.

É, a saudade… Ela às vezes dói demais, mas me faz sentir estranhamente viva.

E é quando a saudade vem, que a lembrança me leva…

Sobre o autor

Lili Black, 47 anos
Escritora desde os 15, ansiosa desde os 3. Rainha das siglas: diagnosticada com TAG, TEPT + Depressão Bipolar.
Faz tratamento medicamentoso acompanhada por psiquiatra e também psicanálise.
O único conselho que a Lili te dá é: PROCURE AJUDA PROFISSIONAL!